sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Liberdade criativa

Começou ontem e segue até amanhã, na Torre Malakoff, o LIBRES, que tem entre os convidados Luca Carrubba da Itáia, Xavi Manzanares e Óscar Martín da Espanha, Glerm Soares e Simone Bittencourt de Curitiba, Tati Wells de Pipa/RN, Fabiana Goa (Salvador). E ainda Jarbas Jácome, Gabriel Furtado, Felipe Machado, Ricardo Brazileiro.
Algumas informações retiradas do site oficial do evento (http://libres.tecnologiaslivres.org/):

O LIBRES é um evento multimídia de arte e tecnologia que pretende disseminar o conhecimento na área de arte e tecnologia, estimular sua apropriação e pesquisa, bem como divulgar seus frutos. Para isso, pretendemos intercambiar e divulgar os trabalhos e possibilidades artísticas e técnicas de multimídia interativa criadas com ferramentas baseadas em uma cultura livre para apropriações, recriações, mixagens e incrementações. A proposta abrange a troca de conhecimentos entre pesquisadores, desenvolvedores, artistas e público em geral, no intuito de estimular o uso destas plataformas no exercício de suas criatividades; assim como fomentar o aprendizado de processos tecnológicos através da interação entre obra tecnológica e público.
Para a realização do evento, a ideia é transformar o espaço em um museu sensorial e interativo, onde a maioria das obras apenas existem enquanto arte a partir da participação do público. O caráter do evento escapa à definição de simples mostra, já que, além da exibição dos trabalhos selecionados e produtos audiovisuais das oficinas realizadas no Nordeste pelo Centro de Desenvolvimento de Tecnologias Livres, com os Pontos de Cultura, outras obras serão acrescentadas ao espaço ao longo dos dias, posto que os criadores multimídia, desenvolvedores e artistas se apropriarão do espaço da mostra para produzir arte ao vivo.

Destaques da programação:

Qeve – O workshop pretende introduzir o Qeve, um nova ferramenta para improvisação de vídeo. Dividido em duas partes: teórica, com uma hora de duração, introduz o Qeve explicando o porquê do artista ter criado este novo software de VJs ao invés de usar um pronto; o tipo de tecnologia utilizada: Puredata, bash, linux, wiimote, e a importância do paradigma de “Faça Você Mesmo” na produção artística.

MimosaLib – Apresentação do projeto de pesquisa em ferramentas musicais mimosaLib. Glerm Soares, da orquestra organismo, apresentará os diversos sistemas de produção, remixe, sintese criaados utilizando tecnologias livres, como o pure-data e arduino.

HacktheDj! – É um instrumento programado com Puredata, desenhado para performances de áudio em tempo real, especialmente focado para músicos que não tem experiência com questões de programação. Basicamente é um sequenciador dual que permite sequenciar uma caixa de ritmos hipertextual com um sequenciador fibonacci.

Artesanato De Volts – A oficina proposta tem como objetivo principal desenvolver jogos lúdicos de construção de interfaces para construção de novas linguagens e meios de expressão poética. Para isso traremos também para dentro do campo da experimentação artística o artesanato da eletrônica e da computação, conhecimentos que muitas vezes são considerados apenas “ferramentas técnicas” para atingir tais metas. Com uso de interfaces e métodos que utilizam “software e hardware livres” de código aberto podemos trabalhar toda a matiz de idéias que surge quando a computação e a eletrônica passa a ser algo como as tintas de um novo quadro a ser pintado ou os acordes de uma música a ser composta.

Imersão Hacker

Baixo Nível de Entrada e Saída:
Discutir conversão analógico-digital com a metáfora do analógico-bioquímico
Utilizar mapas mentais para criar patches de Pure Data utilizando metáforas de processamento digital;
Discutir os complexos aparelho-subjetividade;
Criar interfaces de comunicação pessoa-máquina utilizando arduino, botões, sensores, teclados, leds, etc;
Criar produtos sensíveis a partir de dados puros.

domingo, 2 de agosto de 2009

terça-feira, 28 de julho de 2009

A cor do som


Você vai conhecer um caso extraordinário: uma mulher que é capaz não apenas de ouvir música, como todo mundo. Incrivelmente, ela enxerga a música. Como se não bastasse, ela sente, na ponta da língua, o sabor de cada nota musical.

Elizabeth não é apenas um fenômeno. É um caso único, diz um cientista. “Não existe no mundo outro ser humano que tenha esta habilidade”, afirma.

Tudo começou nos tempos de adolescência. “Quando eu tinha 16 anos, vi que enxergava uma cor para cada nota musical que ouvia”, diz ela. “Perguntei a uma amiga se ela também podia ver cores quando ouvia música. Mas ela me disse que eu era estranha. Vi, então, que eu estava sozinha. Não era igual aos outros”, conta.

Poucas semanas depois, Elizabeth teve outra surpresa: descobriu que as notas musicais que ouvia produziam sabores específicos. Havia notas que, por exemplo, deixavam um sabor amargo na boca. “Fiquei assustada. Quase enlouqueci”, diz.

O fenômeno não acontece só com música. O som de um sino, o barulho de um motor, o toque de um celular ou o latido de um cachorro, tudo produz cores e sabores em Elizabeth. São cores que só ela enxerga e sabores que só ela sente.

É como se os sons da vida produzissem, em Elizabeth, um show que só ela pode ver, um espetáculo que não acaba nunca. Elizabeth não gosta de ir a discotecas, porque as cores e os sabores produzidos pela música que ela ouve nestes ambientes não são atraentes.

Quando ouve o som forte das discotecas, ela enxerga quadrados pretos. O que acontece com Elizabeth é um caso extremo de sinestesia, uma condição neurológica que faz com que os sentidos se combinem.

Há outros casos de gente que enxerga cores nas notas musicais. Mas o caso de Elizabeth é diferente de todos os outros, porque combina a audição, a visão e o paladar. Todos estes sentidos entram em ação, juntos, quando ela ouve um som.

Elizabeth atraiu, é claro, a atenção de médicos e cientistas. O cérebro de Elizabeth passou por um exame detalhado. Os médicos descobriram uma grande atividade nas conexões neurológicas que unem a visão, a audição e o paladar.

Em gente comum, estas conexões parecem adormecidas. Mas, em Elizabeth, elas estão em atividade. Os cientistas estão tentando identificar o gene que produz o fenômeno da sinestesia. Ou seja: a combinação entre vários sentidos.

“É só uma questão de tempo”, diz um cientista, entusiasmado com os grandes avanços da engenharia genética.

Quando a ciência descobrir qual é o gene responsável pelo que acontece com Elizabeth, esta capacidade pode ser estendida a todos os seres humanos. Pode chegar o dia em que será possível ouvir o som, ver a imagem e sentir o gosto da música. Um espetáculo que, por enquanto, tem Elizabeth como única espectadora.

(Texto publicado no site do Fantástico)

domingo, 19 de julho de 2009

Direto da Terra do Nunca

De dentro da caixa de luz apareceu, cresceu, agonizou e morreu o monstro black & white, nem preto, nem branco: a criança prodígio, o adolescente explorado, o artista criativo, o adulto conturbado, o astro pedófilo. Monstro de múltiplas faces e nenhum rosto definido, alma em borrão em busca de um corpo mutante, Michael Jackson e sua história estão agora eternamente conectados à cultura da televisão.

Antes de morrer, e ter a morte transformada em evento de mídia tanto quanto cada passo de sua vida, MJ redescobriu a TV como linguagem pop, através do código inovador do videoclipe tratado como superprodução. Investindo na contratação de diretores de renome e na realização de efeitos especiais com computação gráfica. Seu pioneirismo é reconhecido ao mesmo tempo como grande lance de marketing pessoal, e virada marcante para a arte do entretenimento e a indústria cultural no século 20 – da qual foi simultaneamente produto e produtor.

Talvez a presença constante, desde os Jackson 5, nos programas de variedades da TV americana, tenham lhe despertado a intuição de que o seu caminho passava por ali, pela exploração dos efeitos da exposição maciça naquela caixa mágica. Ele pôs então o cinema a serviço da TV para vender música. Fazendo uso de novas formas de vestir e dançar, misturou tudo e, nesse caldo, viu surgir legiões de seguidores que o imitaram, passando a cultuá-lo como rei.

Comparado a Elvis, pelo alcance popular, e até a Beethoven, pela influência que deixou, MJ confirmou na partida prematura toda a sua majestade. A geração MTV, que em 1983 assistia ao clipe de “Thriller” no Fantástico, rendeu-lhe tributo à altura da devoção, sintonizando os canais que exibiram seu funeral para o mundo inteiro.

O videoclipe ajudou a propagar o fenômeno MJ, delineando a silhueta da época que podemos chamar de aurora da era televisiva. Uma nota de sua partida demonstrou, porém, o peculiar apego das massas por seus ídolos de carne e osso – e que os acompanham além do umbral da morte.

Com a transmissão em tempo real de funerais de figuras públicas, a TV apenas deixou isto mais nítido. E contribuiu, claro, para aprofundar a disposição coletiva, na medida em que ampliou o arco do pesar compartilhado, prolongou a surpresa da perda, unindo milhões de espectadores naquilo que seria, sem a TV, um inimaginável cortejo visual.

O luto de um planeta em rede se espalha na malha dos meios de comunicação. O luto na TV é a extensão do luto público presencial que vem de outros tempos. A cidade de Viena parou para enterrar Beethoven em 1827. O Rio de Janeiro, em 1954, rendeu homenagem ao presidente Getúlio Vargas, no funeral cuja cobertura ainda foi feita pelo rádio em cadeia nacional. Elvis Presley, em 1977, teve um velório de 80 mil pessoas, e seu falecimento fez o presidente americano Jimmy Carter declarar que, com ele, morria uma parte dos Estados Unidos. A cantora Elis Regina, em 1982, Tancredo Neves em 1985 e Ayrton Senna, em 1994, são exemplos de suspensão temporária do cotidiano no Brasil, com a transmissão dos funerais pela TV. O sepultamento da princesa Diana, em 1997, mobilizou um número estimado de 2,5 bilhões de espectadores. Em 2009, foi a vez de Michael Jackson.

Como essas ocasiões, no entanto, não são comuns, trazem a reboque o desafio de rechear de lógica a emoção comungada. Locutores e repórteres dificilmente sabem o que falar em um enterro, ou editores sabem o que fazer, para prender uma audiência que já estaria ali, postada em frente à janela luminosa, de qualquer jeito, para ouvir a mesma notícia e rever as mesmas imagens repetidamente.

É então que a tragédia ganha ares de farsa, repisada pela mídia que busca a impossível tarefa de deixar mais trágico ainda o fato original, durante o vagaroso desfile de despedida da multidão. Diante do ilustre cadáver, é assim a marcha dos vivos, multiplicado em marcha mental pela máquina límbica da televisão.

A suspeita de farsa é maior no caso da montagem de fabulosos eventos que aproveitam a conjunção popular no intuito de extrair o máximo de publicidade paralela em algumas horas de audiência certa. “Não posso ser parte de um circo público. Como me sinto, é algo entre nós, não um evento público”, criticou a atriz Elizabeth Taylor, um dia antes da cerimônia fúnebre, que se deu no último dia 7.

A imagem evocada por Taylor é perfeita, e não somente no sentido pejorativo. Jackson fez da sua vida um circo, e dificilmente escaparia dele depois de morto. Por outro lado, debaixo da lona circense os grandes artistas arrancam da platéia genuínas reações. Provavelmente, direto da Terra do Nunca, o rei do pop estaria satisfeito com o recato de sua amiga, mas não condenaria o sentimento explícito devotado, ao redor do mundo e da TV, por inconsoláveis fãs.
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Ilustração: Funeral de Beethoven em Viena, 1827 - Tela de Franz Stober

quinta-feira, 9 de julho de 2009

SOUR '日々の音色 (Hibi no neiro)'

Esse clipe faz uma brincadeira bonitinha com as possibilidades criadas pela videoconferência. Foi realizado arregimentando fãs da banda espalhados por vários países. Não é nada muito novo, mas o resultado é bacana, o efeito "encaixe" alcançado ficou interessante. Simpatico!

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A arte científica de Cantoni

Ontem foi um dia especial para os que foram à Semana de Videoarte, no Derby. A professora Rejane Cantoni fez uma palestra e apresentou trabalhos e projetos que deixaram a pequena platéia inquieta e maravilhada. Nem o debatedor, Luiz Guilherme Vergara, conteve o deslumbramento, e se derramou em elogios à "artista pesquisadora", como ele a chamou.

Seus experimentos incluem uma mistura bem dosada de ciência e investigação artística. A curiosidade é o elemento comum e a chave de obras que despertam a atenção do público e cativam pelo caráter quase filosófico das abordagens. Pra mim, o que ela faz é filosofia, um tipo de "metafísica concreta", se permitem.

O curioso é que sua trajetória parte da realidade virtual e hoje se aproxima de uma pesquisa sobre o corpo e a presença do interator em um ambiente físico que se transforma e, assim fazendo, afeta a percepção consciente. Questionada se tinha "enchido o saco" dos ambientes virtuais - ela que foi pioneira no trabalho com caves no Brasil - Rejane disse que, com o tempo, observou que o virtual não deve estar separado do real, e sim, que eles se complementam. Na minha opinião, isso dá por superada a polêmica sobre o "simulacro" e a guerra infecunda a respeito da supremacia da virtualidade sobre a realidade ou vice-versa.

O endereço do site de Rejane Cantoni está aí do lado. Como gravei toda a palestra (2 horas), depois coloco mais alguma coisa do que ela e Vergara disseram.

sábado, 27 de junho de 2009

Monalisa dos anos 80


Essa imagem sempre me espanta, e é daquelas que não canso de olhar. Como uma Monalisa de nosso tempo – e porque é de nosso tempo, não é pintura, é fotografia.

Foi capa da revista National Geographic em 1984, e seu autor é o americano Steve McCurry. Ele pode até ter outras grandes fotos, mas certamente essa ficará como a mais marcante de seu trabalho.

Fruto da reprodutibilidade técnica, o retrato da afegã Sharbat Gula é agora também ilustração de uma tecnologia ultrapassada: a Kodak anunciou que está deixando de produzir o filme Kodachrome, após 74 anos. Apenas um pequeno laboratório, no estado americano do Kansas, revelará os rolos remanescentes até o final de 2010.

“O Kodachrome pertence a uma era em que só o tempo, a dedicação e a paciência produziam obras duráveis. Seu processo de revelação, caro e complexo, foi um obstáculo à sua popularização. O Kodachrome nunca foi revelado no Brasil. Era preciso despachá-lo para os EUA e sofrer duas semanas de agonia até receber as fotos”, escreveu Paulo Vitale para a Veja.

A fotografia digital que desbancou o filme em rolo pode provocar nostalgia em muita gente. Trata-se de um efeito conhecido, e assim expresso por McLuhan: “Toda tecnologia nova cria um ambiente que é logo considerado corrupto e degradante. Todavia o novo transforma seu predecessor em forma de arte”.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Bricoleur Multimídia

Esse é o nome da mostra que começa em São Paulo na próxima quarta, 24. Na Carta Capital desta semana, há um trecho do artigo de Maria Dora Mourão, da ECA-USP, que consta do catálogo-livro: “Fotografia e cinema são sua matriz, mas sua arte é híbrida, pois trabalha com fotografia, cinema, vídeo, instalações interativas, poesia, literatura e música”, escreve a professora sobre Chris Marker.

Abaixo, matéria publicada no site Catraca Livre:

Nome dos mais relevantes e misterioso do cinema e do audiovisual contemporâneos, o cineasta, fotógrafo, escritor e artista multimídia francês Chris Marker ganha inédita retrospectiva de sua obra em São Paulo (24 de junho a 5 de julho).

A mostra “Chris Marker, bricoleur multimídia” reúne pela primeira vez no Brasil 33 dos títulos mais significativos do realizador, incluindo filmes, vídeos e séries para TV – como a série “Falamos de…”, definida como “de contra-informação”, que em dois episódios focaliza o Brasil da ditadura militar, tratando de torturas e do militante Carlos Marighela.

O evento também publica um catálogo-livro com resenhas, ensaios e artigos de autores do Brasil e do exterior - incluindo textos inéditos -, além da filmografia comentada e uma entrevista com Marker. Entre outros nomes, assinam os textos Arlindo Machado, Consuelo Lins, Raymond Bellour, Michael Shamberg e Anatol Dauman.

Ilustração: Cartaz oficial da mostra, que já passou pelo Rio e Brasília.

Robozinhos inteligentes

Uma empresa japonesa anunciou o lançamento de pequenos robôs - chamados micropets-i - em forma de bichos, equipados com sensores que permitem o desvio de obstáculos, e comunicação infra-vermelha que dá aos brinquedos a possibilidade de seguir atrás de um objeto em movimento e de "cantar" em coro.

Quem quiser saber mais sobre a tecnologia pode acessar a página da empresa: www.takaratomy.com.jp.

domingo, 21 de junho de 2009

Formas da evolução

Muita calma nessa hora: nem é arte evolutiva, nem evolução da arte, pelo que entendi, o que se pretende mostrar na exposição “Darwin endless forms”. Na chamada da página inicial do Museu Fitzwilliam, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, está definida assim: “A ciência encontra a arte numa exposição que explora a fascinante relação entre as teorias revolucionárias de Charles Darwin e a arte do século XIX.”

O criador da Teoria da Evolução viveu entre 1809 e 1882, portanto a ligação que se busca é no mínimo pertinente, em virtude do grande impacto de seu trabalho na ciência e fora dela. Para os organizadores, a produção artística do período demonstra que essa influência variou da ansiedade ao entusiasmo diante das implicações da ciência natural. Por outro lado, também se tenta resgatar a arte que teria influenciado o cientista na concepção de suas idéias.

Abaixo a matéria da Reuters traduzida pelo Estado de São Paulo e publicada na última sexta-feira. Em seguida, alguns exemplos da mostra: Heade, Gosse, Monet e Degas. E no final do post, os links do museu britânico e da exposição.

Exposição mostra o efeito evolutivo de Darwin sobre a arte

PAUL CASCIATO – REUTERS

CAMBRIDGE - O que Thomas Maltus, uma escultura de Degas e a complexa dança de acasalamento de um faisão da Malásia têm em comum? A resposta é Charles Darwin, de acordo com uma exposição que acaba de ser inaugurada no Museu Fitzwilliam, na Universidade de Cambridge, onde belas-artes, os desenhos de naturalistas, livros contemporâneos de Darwin e animais empalhados traçam um retrato do mundo do século 19, que moldou e foi moldado pelas teorias de Darwin sobre a evolução.

"Formas Sem Fim, Charles Darwin, Ciência Natural e as Artes Visuais" é o título da exposição que foi aberta na terça-feira no Fitzwilliam, mas que vem sendo preparada há cinco anos, contou à Reuters a curadora Jane Munro. "O que fazer com um tema tão amplo quanto Darwin e a arte é algo que exige um pouco de reflexão", disse Munro, enquanto visitantes passeavam entre pinturas relacionadas de Tissot, Cézanne e um estante repleta de beija-flores coletados por um contemporâneo de Darwin e expostos na Grande Exposição de 1851 em Londres.

Os quase 200 objetos expostos são divididos em sete partes: O Olho de Darwin, A História da Terra, A Luta pela Existência, Parentes Animais, A Ascendência da Humanidade, Darwin, Beleza e Seleção Sexual e Darwin e Os Impressionistas. A narrativa salta do conceito direto das influências visuais que pinturas, desenhos e os desenhos botânicos detalhados do mentor de Darwin na Universidade Cambridge, John Stevens Henslow, teriam exercido sobre Darwin, para os efeitos que as teorias dele teriam tido posteriormente sobre cartunistas, cartões postais e artistas como Cézanne, Monet e Degas.

Munro disse que os visitantes à exposição - que inclui a escultura "Pequena Dançarina, 14 Anos de Idade", de Edgar Degas, peças raras normalmente escondidas do olhar público e várias outras obras famosas cedidas por museus de diversas partes do mundo precisam manter a mente aberta para acompanhar a narrativa, às vezes complexa. "Se vierem com a mente aberta, podem sentir-se enriquecidos", disse a curadora.

A exposição relaciona com habilidade as obras do próprio Darwin - "A Origem das Espécies", "A Ascendência da Humanidade" e "A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais" - a alguns dos objetos incomuns expostos, como um vídeo de uma dança de acasalamento do faisão Grande Argus da Malásia e uma pintura de 1864-5 de John William Inchbold comparando a cabeça de uma menina com a plumagem da ave-do-paraíso.








Museu: http://www.fitzmuseum.cam.ac.uk/

Mostra: http://www.darwinendlessforms.org/


sábado, 20 de junho de 2009

Da tecnologia à arte


“Quanto mais tecnologia eu vejo, mais acredito no talento”.

A afirmação foi feita por Nelson Motta, ontem, em palestra para o Porto Musical sobre “o futuro da indústria fonográfica com o advento das novas tecnologias e meios de comunicação”.

Apesar de dirigida à música, a frase que soa como advertência vale para toda forma de arte, e mais ainda para aquela produzida pelo artista tecnológico, pois traz implícito o questionamento do “valor da obra” em relação ao aparato tecnológico de que se serve – quando não é, a própria obra, pura expressão do aparato, deslocado de seu ambiente “natural”.

O que me recorda a discussão sobre as razões que levam o público, nas bienais, a fazer mais fila para o pavilhão de arte tecnológica do que para as salas classificadas como arte contemporânea, com menor, ou nenhum, convite à interatividade. Imagino que seja devido ao mesmo tipo de apelo que provocavam (e ainda provocam) os experimentos escolares nas feiras de ciências, onde, por exemplo, os cabelos ficam “em pé” por causa da eletricidade e viram motivo de brincadeira.

O escritor de ficção científica Arthur C. Clarke, que também era cientista, disse que a tecnologia avançada provoca nas pessoas o mesmo fascínio proporcionado pela magia. Com a arte tecnológica, pode-se emendar, esse fascínio encontrou novos portos, multiplicaram-se os objetos fascinantes para fitar.

E se tornou muito mais difícil ao olho contemporâneo destrinchar o que provém de um inquestionável talento (cuja conceituação parece ter perdido significado, com a desvalorização da aura romântica) e aquilo que pode ser só o resultado lúdico de uma boa sacada, potencializado pela curiosidade do público mais diante da novidade tecnológica do que da elaboração artística.
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Foto: AFP - Promoção de feira de energia na Alemanha, em janeiro.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Enigma: nova obra de Eduardo Kac


Aí vai a descrição da nova obra de Eduardo Kac, como recebi por e-mail do próprio site do artista:


A obra central na série "História Natural do Enigma" é um plantimal, uma nova forma de vida que Kac criou e à qual ele dá o nome de "Edunia", uma flor criada através de engenharia genética que é um híbrido do artista e Petunia.
A Edunia de Kac expressa o ADN exclusivamente em suas veias vermelhas.Desenvolvida entre 2003 e 2008, "História Natural do Enigma" será exibida de 17 de abril a 21 de junho de 2009, no Museu de Arte Weisman, em Minneápolis.A flor é um novo tipo de Petunia que Kac inventou e produziu através de biologia molecular. A Edunia não é encontrada na natureza. Ela tem veias vermelhas e pétalas cor de rosa. Um gene do artista é expresso em todas as células de suas veias vermelhas, isto é, o gene de Kac produz uma proteína somente na rede venosa da flor. O gene foi isolado e sequenciado a partir do sangue de Kac.
As pétalas cor de rosa, contra as quais as veias vermelhas são vistas, são evocativas do próprio tom de pele rosada de Kac. O resultado desta manipulação molecular é uma planta que cria a imagem viva de sangue humano correndo nas veias de uma flor.
O gene que Kac selecionou é responsável pela identificação de corpos estranhos. Ou seja, nesta obra, é precisamente aquilo que identifica e rejeita o outro que o artista integra no outro, criando assim uma nova espécie de ser que é parcialmente flor e parcialmente humano.
"História Natural do Enigma" é uma reflexão sobre a contiguidade da vida entre as diferentes espécies. Usa a vermelhidão do sangue e a vermelhidão das veias da planta como um marcador do nosso patrimônio comum.
Com a combinação do ADN humano e o da planta em uma nova flor, de uma maneira visualmente dramática (expressão em vermelho do ADN humano nas veias da flor), Kac faz brotar a poética da contiguidade da vida entre as diferentes espécies.
Na expectativa de um futuro no qual Edunias possam ser socialmente distribuídas e plantadas por toda parte, Kac criou um conjunto de "Edunia Seed Packs" (Pacotes de Sementes da Edunia), que estão incluídos na exposição. Os "Edunia Seed Packs", baseados em uma série de litografias, contêm as sementes da Edunia e fazem parte da coleção permanente do Museu de Arte Weisman.
Para obter informações adicionais, visite o website de Kac: http://www.ekac.org/nat.hist.enig.html

quinta-feira, 18 de junho de 2009

A luz pela janela

No último domingo, escrevi para o blog .2009. um artigo que tem algumas referências a partes de nossa aula de ontem. Reproduzo abaixo só um trecho. Quem quiser conferir ele inteiro, clique aqui.

O manuseio – por assim dizer – da informação, seu tratamento desde a extração de uma galáxia de dados até o escrutínio dos valores e signos adequados e a sua utilização prática final, transformou-se num dos maiores desafios para o homem do século 21. Desafio que serve de argumento importante para aqueles que defendem a junção cooperativa entre o material biológico e a matéria tecnológica, cujo resultado seria um ser híbrido, nem homem, nem máquina, nem cérebro, nem chip: um outro ser, num outro estágio, imputando à natureza da vida a potência do processamento acelerado da informação.
Para o neurocientista Miguel Nicolelis, a forma como o cérebro humano constrói a realidade está mudando radicalmente a partir do uso de novas tecnologias populares, como a internet e o telefone celular. As crianças estabelecem com o real outro nível de interação, muito mais ágil do que seus pais ou avós. Além disso, a chamada “realidade virtual” a cada dia reduz a necessidade da presença física para a condução de atos e experimentos. Mesmo distantes, dispositivos mecânicos e eletrônicos são considerados pelo cérebro como extensões do corpo, da mesma maneira que para um tenista a raquete é uma extensão do braço. “Como se houvesse uma incorporação”, admite ele.
Pode-se dizer que este processo teve início com a ferramenta límbica que reproduz o mundo, instalando, na frente dos olhos, a janela por onde passa um turbilhão de luz – para usar a imagem sugerida num verso de Shakespeare: “Que luz é aquela, que passa pela janela?”
A referência ao texto de Romeu e Julieta vem da obra do canadense Marshall Mcluhan, Os meios de comunicação como extensões do homem, obra clássica para o estudo de qualquer mídia. Antecipando as conclusões da neurociência, Mcluhan repisa coisas óbvias, como a criação de ambientes humanos diferentes com o advento de novas tecnologias. Mas é preciso começar pelo óbvio para elaborar, em seguida, afirmações polêmicas: “Estamos nos aproximando rapidamente da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência”.
Enquanto se fala, nas ciências humanas, de uma “simulação” – termo preferido por muitos filósofos – a neurociência em 2009 parte de resultados empíricos para projetar uma “incorporação”, menos semelhante a uma cópia do que a uma fusão, prevista quando se obtiver o reconhecimento total entre os dados bioquímicos do cérebro e os processadores de um chip implantado, ou de um computador remoto a milhares de quilômetros de distância.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O celular vira um novo suporte para a Literatura

http://www.youtube.com/watch?v=MY4kk8wBnGg

Soube da matéria pelo twitter!


A arte na feira


Na nossa primeira aula, o Renascimento foi citado por Nina em dois pontos principais: por ser o período histórico em que o símbolo (convenção) se torna mimese (representação); e em que os discursos da arte e da ciência se encontram (vale dizer que a Filosofia Natural antiga trazia essa mesma característica, pondo no mesmo barco a ciência, a filosofia e a magia).

No livro O Bazar do Renascimento – Da rota da seda a Michelangelo (Grua, 2009), o professor inglês Jerry Brotton se propõe a fazer um estudo do surgimento da civilização européia moderna entre os anos 1400 e 1600, a partir “da troca de idéias e mercadorias com seus vizinhos orientais, em sua maioria islâmicos”. Para o autor, “a Europa emergiu no contato íntimo, e não numa oposição total, com as culturas e comunidades que posteriormente passou a demonizar e rotular como subdesenvolvidas e incivilizadas”. A influência do conhecimento árabe teria sido fundamental para nomes como Da Vinci, Copérnico, Vesalius e Montaigne, apenas para citar algumas das maiores expressões renascentistas.

Compartilho outras passagens do livro:

“No bazar renascentista, diferentes culturas se confrontaram com perplexidade e desconfiança, por um lado, também com prazer e fascinação, por outro. Elas trocaram objetos e ideias que contrariavam proscrições religiosas e políticas que reforçavam a separação cultural e o antagonismo mútuo”.

“Renascimento é um conceito de elite, baseado nos ideais culturais de um estrato muito reduzido da sociedade”.

“Muitas das grandes conquistas culturais e tecnológicas do Renascimento provocaram instabilidade, incerteza e ansiedade, e o ethos do período pode ser definido como uma luta contra esse dilema.”

“O Renascimento foi considerado a origem de toda vida civilizada, portanto um modo de validar como vivemos nossas vidas é encontrar evidência disso naquele período. Contudo, isso nos torna cegos para o que realmente motivou a criação da arte e da cultura renascentista.”


A respeito do quadro reproduzido acima, Os embaixadores, de Hans Holbein, datado de 1533 e tido como ícone do Renascimento, Brotton afirma: “A Europa posicionou-se a si mesma no centro do globo terrestre, porém seu olhar estava voltado para as riquezas do Oriente, dos tecidos e sedas do Império Otomano às especiarias e pimentas do arquipélago indonésio. Muitos dos objetos do quadro de Holbein têm uma origem oriental, da seda e veludo vestidos por seus personagens aos tecidos e estampas que decoram o aposento. A pintura é uma imagem triunfante do poder da Europa setentrional, contudo é também uma magnífica exibição do desejo e da aquisição do luxo oriental que chegou á Europa através da Rota da Seda e dos bazares da Ásia central e do extremo oriente.”

Em outro trecho, sobre o artista: “Nascido na Alemanha, Holbein primeiro trabalhou em Basileia (Suiça) e depois na Inglaterra como um pintor de corte, e foi fortemente influenciado pela arte italiana. Os objetos em suas telas indicam que ele absorveu influências culturais, políticas e intelectuais notavelmente globais. Isso tornou sua pintura essencialmente híbrida e bastante diferente da de seus contemporâneos italianos, mas não fez dele um pintor menos atribuível ao Renascimento. Mais que tudo, é exatamente sua mobilidade cultural que define seus aspectos ‘renascentistas’.”

terça-feira, 16 de junho de 2009

O Lugar Dissonante





Formas em movimento movidas por gestos soltos no ar, sons estranhos que pareciam ser tocados com as mãos, vozes em uma sala escura vindas de telefones públicos, celulares colados em molduras à espera de um outro que o compreendesse... Do que se trata essa parafernália toda? É uma exposição de Arte e Tecnologia, sendo aberta justamente no dia da aula inaugural do curso.

De acordo com os organizadores, a mostra, intitulada de O Lugar Dissonante, se propõe a "repensar a existência do homem a partir de manifestações distintas do universo high-tech, como interatividade, simultaneidade e erro".

À porta das salas que abrigavam os trabalhos, já dava pra sentir a aflição das pessoas tentando entender o que se passava em cada ambiente: “Como é que isso funciona?”, pareciam pensar. Como a priori todos já tinham ouvido falar em obras interativas, as pessoas imediatamente substituíam a contemplação pela exploração, e tentavam descobrir uma maneira de fazer com que “aquelas coisas” reagissem. E aí, diante de enormes projeções de imagens, os visitantes pareciam realizar algum tipo de arte marcial chinesa, e se moviam num balé descombinado, o que motivava os menos dançarinos a também tentar fazer alguma coisa pela arte, tecnológica.

Mesmo com o conceito da obra exposto num enorme texto na entrada, em algumas salas as orientações eram bem-vindas, afinal não dá pra adivinhar tudo, e nem tudo na prática é tão belo e perfeito quanto o que é apresentado na teoria.

Mas as surpresas que alguns trabalhos proporcionavam ao interagir com eles valiam as tentativas frustradas, já que a experiência de cada um dos visitantes trazia um resultado diferente, que podia até ser parecido, mas nunca exatamente igual. E aí as pessoas experimentavam fazer aquilo que mais a agradavam, quando se punham diante das obras.

Mapeado, observado, captado por equipamentos, o público de uma exposição de arte tecnológica tem sua relação com o espaço e sua forma de apreciar a obra sensivelmente modificados.

Diante de novos recursos tecnológicos e do uso de conexões entre eles, novas formas de sensibilidade estética estão emergindo, alcançando a superfície, a pele, os olhos e os ouvidos.

sábado, 13 de junho de 2009

Siana recebe inscrições até amanhã

Belo Horizonte é a primeira cidade do mundo a receber uma edição local da Semana Internacional de Artes Digitais e Alternativas (Siana 2009). Parte do calendário oficial do Ano da França no Brasil, o evento criado em 2005 pelo instituto Télécom & Management SudParis chega ao país numa realização conjunta da Cia. Luna Lunera e Universidade Federal de Minas Gerais, com patrocínio da Oi e Usiminas através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. A programação inclui espetáculos, exposições, oficinas e conferências, com participação de artistas e pesquisadores brasileiros e franceses. Todas as atividades serão gratuitas.
Até o dia 14 de junho estão abertas as inscrições para a mostra de trabalhos científicos e reflexões artísticas relacionadas ao tema desta edição: “O Imaginário das Tecnologias Digitais”. As propostas devem ser encaminhadas para o e-mail siana2009mostra@ufmg.br com título, nome do autor e um resumo descritivo de até 30 linhas. Mais informações pelo site www.sianabrasil.com.br ou pelo telefone (31) 3409-5078 (de segunda a sexta-feira das 10h às 17h).
Em sua terceira edição, a Siana 2009 foi iniciada em maio em Evry, na França, e será encerrada na China em outubro. O objetivo é exibir e promover a reflexão acerca das tecnologias digitais, seus usos e novas formas de arte, explorando a potencialidade do encontro entre a arte e as tecnologias de informação e comunicação através de dois eixos complementares: artístico e científico. O evento (cuja sigla mantém o termo original francês “artes numéricas”) tem como público-alvo pesquisadores, estudantes, artistas, empresas especializadas nesse ramo tecnológico e interessados pelo tema.

A orelha fora de lugar



Em 1995, a rede de TV britânica BBC mostrou uma imagem que simbolizou o avanço da ciência e, ao mesmo tempo, inflamou aqueles que gostam de impor limites ao conhecimento humano – sem falar nos defensores dos direitos dos animais, especialmente os criados em laboratório.

O rato com uma orelha humana grudada nas costas é a própria imagem da teratologia científica: o fruto transgênico da engenharia genética rendeu logo ao cirurgião responsável pelo feito, Charles Vacanti, o apelido de Frankenstein contemporâneo.

Em entrevista à revista Época, um pesquisador brasileiro em Harvard, Dario Fauza, disse que a orelha nas costas do rato “não era funcional” e que “não houve nenhuma intenção de criar um monstro”. Para o médico, a experiência serviu “apenas para demonstrar a viabilidade de desenvolver uma estrutura cartilaginosa previamente moldada” e foi amplamente aceita pela comunidade científica.

O rato-monstro era, ele mesmo, modificado geneticamente, para não conter elementos que favorecessem a rejeição do tecido estranho. E a partir dessa conquista, a despeito da monstruosa aparência, a bioengenharia deu um grande salto, ao ver concretizada a suposição de que um tecido produzido em laboratório poderia ser incorporado ao corpo de um ser vivo.

Em 2007, o australiano Stelious Arcadiou, conhecido como Stelarc, deu sequência à série de intervenções que faz usando o próprio corpo, e apareceu com a prótese de uma orelha implantada no braço.

Pesquisador titular do Performance Arts Digital Research Unit da The Nottingham Trent University, na Inglaterra, Stelarc estuda as relações entre o corpo e a tecnologia, defende a superação física da natureza humana, e traduz seus conceitos em exposições vivas através de performances que chamam a atenção de grandes públicos. Sua intenção é que, por meio da arte, suas idéias ganhem maior alcance.

Mas o que o australiano cria e apresenta pode ser chamado de arte? “Claro que sim”, responde o professor e músico português Victor Afonso. “É um trabalho conceitual e criativo consistente - ainda que lide com o próprio corpo humano e que possa chocar mentalidades mais susceptíveis”, escreve Afonso em seu blog.

Em abril deste ano, o pesquisador-artista participou do Festival Internacional de Ciência, em Edimburgo, na Escócia, onde falou de seus planos de colocar um microfone para ouvir o que a sua “terceira orelha” escuta, retransmitindo os sons captados pelo braço na Internet.

O homem como objeto natural é confrontado por Stelarc e, neste confronto, a participação da ciência vai além de mera inspiração, proporcionando a emergência de choques culturais latentes na produção do novo conhecimento científico.

Ao tratar da body art, que tem em Stelarc talvez o grande representante, David Le Breton diz o seguinte (Adeus ao corpo, Papirus, 2003, pág. 46): “Os artistas pós-modernos ou pós-humanos consideram insuportável possuir o mesmo corpo que o homem da Idade da Pedra. Pretendem alçar o corpo à altura da tecnologia de ponta e submetê-lo a uma vontade de domínio integral, percebendo-o como uma série de peças destacáveis e hibridáveis à máquina”.

Radicalizações à parte, o que acontece é que tanto o artista quanto o cientista parecem trabalhar, de certo modo, pelo “aperfeiçoamento da própria natureza, débil e falha”, sendo o homem uma criatura “bruta, semi-acabada”, nas palavras da criadora de um dos maiores mitos modernos – Mary Shelley, autora de Frankenstein.

Ao analisar o caso de Leonardo Da Vinci, Freud escreveu que a arte manifesta não somente os desejos e conflitos do artista, como também a sua superação. Por seu lado, Gastón Bachelard, epistemólogo que cunhou a expressão “psicanálise do conhecimento”, utilizou o instrumental freudiano para afirmar que a ciência também promove a superação da subjetividade do cientista, a cada descoberta, a cada novo passo no caminho de retificação de seus próprios erros.

A orelha como um “objeto artificial”, seja no rato de laboratório, seja no braço de um artista, questiona o ser humano enquanto “objeto natural”, e mais, enquanto “sujeito natural”, dono de uma natureza que deixa de ser perfeita, no reino de um ideal clássico, e passa a se configurar incompleta – como se ao humano potencializado pela tecnologia sempre faltasse alguma coisa. Paradoxalmente, essa falta remete a uma inocência perdida, a complexos cristalizados na trajetória de uma ciência que constrói mais dúvidas que certezas enquanto avança.

Arte e ciência remexem igualmente no material inconsciente, levantando poeira nos porões de uma cultura assentada e estabelecida. Segundo Roberto Romano, há, “nos porões da consciência moderna, uma fantasmagoria gerada na luta de séculos contra as práticas científicas”, pelo menos desde o Renascimento.

Bachelard dizia que “aquilo que é puramente fictício para o conhecimento objetivo permanece profundamente real e ativo para os devaneios inconscientes”. Mais profundamente real e ativo, por extensão, como matéria-prima da expressão artística. O epistemólogo concluía que “o sonho é mais forte do que a experiência”.

Seria trabalho da arte fazer o inverso, tornar a experiência mais forte do que o sonho? Foi o mesmo Bachelard, também um estudioso do imaginário, quem disse que os eixos da ciência e da poesia podiam ser complementares, apesar de serem eixos opostos para a imaginação. Em sua ótica, a ciência é a “estética da inteligência”.

Na confluência da arte com a tecnologia, as mudanças de paradigma patrocinadas pela ciência alteram a percepção da subjetividade, ao mexer em conceitos que explicavam o mundo para o conforto do ego. Quando o mundo não é mais o mesmo, o ego se perturba – está aberta a possibilidade da arte. E quando o homem passa a produzir o homem, a reinventar o humano e se reposicionar no mundo natural, ocorre a “explosão do horizonte humanista”, no dizer de Peter Sloterdijk, filósofo autor de Regras para o parque humano, uma resposta à Carta sobre o humanismo de Martin Heidegger.

Essa explosão do humanismo se dá, não pela sua negação, mas pelo contrário, a partir do agravamento de questões filosóficas ancestrais: de onde viemos? O que é o humano?

Obviamente essas perguntas sem resposta não têm nos impedido de continuar pensando, duvidando, criando. As investigações da arte e da ciência possuem raiz comum, na inquietação que acompanha o ser que pensa.

O curso de Arte e Tecnologia da Fundação Joaquim Nabuco será uma excelente oportunidade para aprimorar a visão desse encontro, especialmente no que diz respeito à reformulação dos conceitos de “natureza” e “natureza humana”, e às modificações no âmbito da subjetividade promovidas pela ciência e aprofundadas pela arte.
Carta de intenção para o curso da Fundaj.